Ameaça aos testes rápidos em farmácias. Segundo informações obtidas com exclusividade pelo Panorama Farmacêutico junto a fontes do Ministério da Saúde, o órgão sugeriu à Anvisa o adiamento da nova resolução que regulamenta esses serviços no varejo farmacêutico a partir de 1º de agosto. O motivo? Pressão de entidades ligadas aos laboratórios de análises clínicas.
A Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou no dia 3 de maio a resolução que substitui a RDC 302/2005, estabelecendo critérios técnico-sanitários claros para a operação de exames clínicos no ambiente farmacêutico. Até então, o setor só estava habilitado a promover dois tipos de testagens – as que aferem casos de Covid-19 e glicemia.
No entanto, as farmácias e drogarias já contam com estrutura e tecnologia para promover pelo menos 50 testes laboratoriais remotos, com os mesmos protocolos exigidos dos centros de análises clínicas. As 30 principais bandeiras do varejo farmacêutico nacional dispõem de mais de 6 mil salas de assistência farmacêutica com estrutura e equipes aptas para essa operação.
“Qualquer possibilidade de adiamento significa comprometer o acesso à saúde da população brasileira. O Brasil estava décadas atrasado nessa área. Após anos de discussão e muita manifestação da sociedade, a Anvisa aprovou um texto seguro, tecnicamente irrepreensível e que põe o país na vanguarda. Essa norma é transformadora, pois permite a triagem de doenças que são relevadas e que, identificadas e tratadas adequadamente, podem gerar mais qualidade de vida e longevidade”, adverte Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
O dirigente usa o exemplo da pandemia como parâmetro para confirmar a segurança dos testes em farmácias. “Os exames têm a chancela técnica da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) e revelaram-se fundamentais para balizar as estratégias de contenção do coronavírus. As grandes redes somaram mais de 20,7 milhões de atendimentos e, nas anamneses realizadas pelos farmacêuticos, detectamos que 10% dos pacientes tinham quadro grave suficiente para encaminhamento ao médico”, afirma.
Carlos Gouvêa, presidente executivo da CBDL, reforça a defesa da resolução. “A RDC inovou ao ampliar os novos ambientes de testagem para farmácias e consultórios, ainda que sob a forma de triagem, permitindo o acesso à saúde entre cidadãos invisíveis até então ao sistema público. Acreditamos que há alguma interpretação equivocada por uma ala do Ministério, já que a Anvisa promoveu ampla discussão com todos os atores, inclusive a próprio pasta, alinhada com diretrizes da OMS em prol do fortalecimento da atenção primária”, observa.
Testes rápidos em farmácias x resistência de entidades clínicas
O adiamento dos testes rápidos em farmácias teria sido tema de uma reunião entre técnicos do Ministério e da Anvisa. O encontro partiu de uma requisição da pasta, por meio do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde, área liderada por Pedro Almeida.
A argumentação seria a necessidade de ampliar os prazos de adequação das farmácias de forma a garantir plena segurança sanitária e jurídica, embora a Anvisa tenha instituído critérios bem definidos. Coincidências à parte, Pedro Almeida fez questionamentos públicos sobre a RDC em participação no Congresso da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), ocorrido em Santa Catarina entre os dias 18 e 21 de junho.
“Trata-se de um movimento estranho e desconectado da postura adotada no governo federal, uma vez que a gestão do Ministério da Saúde defende justamente a retomada dos exames e cirurgias, para reduzir a fila que aumentou durante a pandemia, bem como um maior cuidado da saúde por parte da população”, enfatiza Barreto.
Desde a autorização dos testes da Covid nas farmácias, em 2020, o segmento de análise laboratoriais vem manifestando sua contrariedade em relação à extensão do serviços. Na época, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) assinou um ofício em conjunto com a Associação Brasileira de Biomedicina (ABBM), a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML).
O teor era de preocupação com a validação de qualidade dos exames e a necessidade de seguir as boas práticas laboratoriais, sob pena de “riscos de resultados imprecisos, com possíveis ameaças à segurança dos pacientes”.
Agora, logo após a nova resolução ser publicada, a Abramed voltou a se posicionar publicamente em comunicado à imprensa. Ao mesmo tempo em que ressalta a preocupação da Anvisa na definição dos protocolos, a associação mantém uma postura fiscalista e de alerta.
“É importante lembrar que, como qualquer teste diagnóstico, os testes rápidos também podem apresentar falsos negativos ou falsos positivos, o que pode comprometer as condutas e decisões médicas e a segurança dos pacientes. Portanto, para evitar riscos desnecessários à saúde dos pacientes, os exames realizados fora dos laboratórios clínicos devem seguir as mesmas diretrizes e regulamentos aplicados aos laboratórios, incluindo as normas de qualidade, segurança e biossegurança.”
Procurado pelo portal, o Ministério da Saúde não se manifestou até o fechamento da reportagem. Já a Abramed, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que só irá se posicionar caso seja oficializada alguma medida.