Menina de 8 anos havia sido levada pela mãe para os Estados Unidos sem a autorização do pai, que travou longa disputa judicial no Brasil e nos EUA por quase três anos. Especialista alerta que casos assim são frequentes
A legislação brasileira determina que os menores de idade só podem viajar para fora do País com autorização expressa do pai e da mãe. Contudo, casos em que pai ou mãe levam filhos menores sem a autorização legal do outro responsável acontecem, muitas vezes com a intenção de mudança definitiva, informa a advogada internacionalista, coordenadora do departamento de Direito Internacional do escritório Celso Candido de Souza, Mariane Stival.
“Tomei conhecimento de que há pelo menos 40 casos assim, inclusive com decisão favorável ao retorno da criança ao Brasil, porém ainda não cumpridas pela justiça americana”, diz ela, ao explicar que os casos, normalmente, são complexos e há uma certa resistência no cumprimento, tanto da parte condenada quanto da justiça americana.
Mariane alerta para os prejuízos emocionais que a lentidão das decisões e cumprimento das mesmas podem acarretar para o menor, e ilustra com o caso que levou dois anos e nove meses para ser resolvido. O empresário Edward José Júnior, 61 anos, teve sua filha levada para os Estados Unidos, em 2020, sem ao menos ser comunicado da viagem e lá ficou com filha por 2 anos e 9 meses. A mãe cometeu o crime de sequestro internacional de menores, que é previsto na Convenção de Haia, diz a advogada. Durante todo este tempo, ela não deixou o pai ter contato com a criança.
Edward só soube onde estava a filha quando a Polícia Federal entrou no caso. O dia 12 de outubro de 2020, foi a última vez que Edward viu a filha, que tinha seis anos na época. Os pais não eram casados e cuidavam da menina por meio de guarda compartilhada. Durante a semana, ficava com a mãe e, aos finais de semana e férias, com o pai. “Chegou o fim de semana seguinte, e minha filha não estava em Anápolis, nossa cidade. Eu ligava e a mãe não atendia. Ela me bloqueou nas redes sociais e fiquei totalmente sem informação. Foi quando eu procurei a Polícia Federal depois da situação continuar assim por algumas semanas. Eles descobriram que ela estava nos EUA, havia entrado pelo México ilegalmente e tinham falsificado minha assinatura”, conta.
O escritório Celso Cândido de Souza Advogados, através da doutora em Direito Internacional Mariane Stival, representou Edward. “A subtração internacional da menor é um caso gravíssimo e muito desafiador. Foi preciso muita persistência para percorrer uma longa jornada até que a justiça americana cumprisse”, explica.
Somente depois de várias decisões favoráveis ao pai, tanto da justiça brasileira quanto da estadunidense, e que não foram cumpridas pela mãe, ela finalmente cedeu com uma decisão da Corte do Distrito de Ohio, em 27 de junho de 2023. O pai, então, embarcou para os EUA para buscar a filha. “A entrega da minha filha foi na corte, mas a mãe relutou até o último momento. Quando a juíza ordenou a entrega, ela não o fez, foi a juíza que me entregou a menina”, relatou Edward José Júnior.
Entenda o passo a passo
Depois da constatação de que a criança, então com 6 anos, fora levada para os EUA sem a sua autorização do pai, a Polícia Federal formulou uma notícia-crime, que resultou num Relatório de Inquérito Policial. Enquanto isso, a assessoria jurídica do pai tomou a primeira providência, que é comunicar a ACAF (Autoridade Central Administrativa Federal). Este é o órgão, no Brasil, incumbido da adoção de providências para o adequado cumprimento das obrigações impostas pela Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças, pela Convenção Interamericana de 1989, entre outras funções.
“Com a demora do retorno da ACAF, nós ajuizamos a ação na Justiça Federal por sequestro internacional de menores. Obtivemos a decisão favorável para o retorno da criança. Enviamos a tradução para a ACAF enviar para as autoridades nos EUA”, explica a advogada Mariane Stival. O Ministério Público Federal (MPF) também ofereceu denúncia contra Aline, pela prática dos delitos de falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais. Mais uma condenação.
“O pai conseguiu na Vara de Família a guarda unilateral diante desta conduta da mãe”, relembra a sequência dos procedimentos. Na justiça americana, a advogada também ingressou com ação para validar as decisões da justiça brasileira, e obteve êxito. “Só que a mãe não cumpria nenhuma das cinco decisões desfavoráveis a ela”, conta a advogada. Por fim, Mariane Stival encontrou um órgão específico de deportação no Ministério de Relações Exteriores, que também já estava ciente do caso, e pediu sua deportação.
O passo seguinte seria acionar a Polícia Internacional (Interpol), mas felizmente houve o cumprimento da decisão da Corte do Distrito de Ohio. “São muitas decisões, e ela até o final se recusou. Foi um caso complexo e precisou de esforço de muitos órgãos. A gente precisou envolver o máximo de instituições possíveis para que houvesse um esforço comum”, disse a advogada.
Futuro
Ao chegar de volta com a filha para sua cidade natal, Anápolis, Goiás, Edward já providenciou escola, aula de natação e atendimento psicológico para a filha. Mas a sua primeira decisão foi a de não deixar a garota sem o contato com a mãe. “Ela entrou em contato comigo pedindo para falar com ela e eu, logicamente, permiti porque, o que está em jogo é o bem-estar da menina”, diz ele.
Edward diz que, para um filho, tanto o pai quanto a mãe são importantes e que, se no futuro, ela quiser morar com a mãe, não irá impedir. “Sempre fui próximo a todos os meus filhos e, até pela minha idade avançada, a única coisa que quero é não ser privado de ter contato com a minha filha porque o que eu desejo é que ela tenha referência do que é ter um pai de verdade”, contou