Artigo de André Deeke Sasse – oncologista clínico e CEO do Grupo SOnHe
No Brasil e no mundo, a tecnologia médica avança a passos largos, trazendo esperança e novas possibilidades de tratamento. Do emprego de testes moleculares até a adoção da cirurgia robótica, somos testemunhas de uma revolução no diagnóstico e tratamento do câncer. No entanto, as sombras da burocracia, infraestrutura deficiente e desigualdade no acesso à saúde ainda lançam um véu sobre esses avanços.
É indiscutível: nosso orçamento para a saúde, seja pelo SUS ou pela saúde suplementar, é limitado. E em um cenário de escassez de recursos, a eficiência se torna imperativa. E, aqui, os profissionais de saúde encontram um novo desafio: como equilibrar as melhores práticas médicas com os recursos disponíveis?
Em tempos anteriores, o médico se preocupava unicamente com a busca pela excelência técnica, recomendando tratamentos que julgasse serem os melhores. Mas o panorama atual, com medicamentos e procedimentos de alto custo, exige mais do que apenas a busca pelo ideal; requer discernimento. Surge, então, a Medicina Baseada em Valores, um paradigma que busca harmonizar a evidência científica, a expertise do médico, a realidade do sistema de saúde e, claro, as necessidades e valores do paciente.
Neste cenário, agências reguladoras – como a Anvisa, ANS e Conitec – surgem como pilares na Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS). Mas, infelizmente, a integração entre esses órgãos deixa a desejar, resultando em políticas fragmentadas e por vezes contraditórias. A distância entre essas agências e os especialistas médicos também é grande, causando distorções em questões técnicas e econômicas.
O tratamento do câncer ilustra esse problema. Por exemplo, a diferenciação entre medicamentos injetáveis e orais afeta diretamente o acesso do paciente ao tratamento, dadas as distintas normativas de cobertura. Além disso, tratamentos inovadores e de alto custo, como terapias-alvo, anticorpos conjugados a drogas e imunoterapia, enfrentam barreiras no SUS, apesar de evidentes vantagens em segurança e eficácia em comparação a terapias hoje disponíveis.
Estas desigualdades ampliam o abismo entre os sistemas de saúde público e privado, deixando muitos pacientes em situações desesperadoras e sem acesso a tratamentos eficazes.
Porém, não podemos nos limitar a criticar ou desviar das adversidades. A solução exige um enfoque colaborativo. Os profissionais de saúde devem ser capacitados em Medicina Baseada em Valores, e todos os atores envolvidos – governo, indústria farmacêutica, médicos e pacientes – devem contribuir no debate. Afinal, escolhas informadas e unificadas iluminarão o caminho adiante.
*André Deeke Sasse é médico oncologista pela Unicamp, onde também obteve seu doutorado em medicina. É especialista em Oncologia Clínica pela Associação Médica Brasileira – AMB/SBOC. Coordena a Oncologia no Hospital Vera Cruz e no Hospital PUC-Campinas. É professor de pós-graduação na FCM-Unicamp e coordenador da Residência em Oncologia Clínica do Hospital PUC-Campinas. André Sasse lidera o Departamento de Cancerologia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC). É membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), da Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO) e do Grupo Cooperativo Latino-Americano de Pesquisa (LACOG). Fundador e CEO do Grupo SOnHe – Oncologia e Hematologia e BIO-Brazilian Information Oncology.