Estudo mostra que, enquanto a renda do trabalho já se recuperava, redução dos auxílios fez a desigualdade e as taxas de pobreza atingirem os maiores valores da série histórica em 2021
No início de 2021, segundo ano da pandemia de Covid-19 no país, o Auxílio Emergencial foi interrompido por três meses. Posteriormente, o pagamento foi retomado, mas com valores e cobertura bem menores que no primeiro ano da pandemia. Não fossem essas mudanças, a enorme crise social que atingiu o país em 2021 poderia ter sido muito menos aguda. Se a taxa de pobreza aumentou 4,6 pontos percentuais entre 2020 e 2021, 3,4 pontos podem ser atribuídos a variações nas políticas de auxílio. E se a extrema pobreza aumentou 1,9 pontos percentuais, 1,8 pontos se devem também àquelas variações. Em relação à enorme desigualdade, que separa ricos e pobres no país, não fosse a redução dos auxílios ela teria caído entre 2020 e 2021.
Essas e outras conclusões estão reunidas em um estudo produzido pelo PUCRS Data Social, em parceria com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). Os dados são provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o recorte adotado é o das vinte e duas principais regiões metropolitanas do país, de acordo com os critérios estabelecidos pelo IBGE.
O objetivo do estudo foi analisar mais detalhadamente as causas das variações nos indicadores de pobreza e desigualdade no período mais agudo da pandemia de covid-19 no Brasil. Para tanto, foram utilizadas técnicas de decomposição estatística por fontes de renda. Desse modo, o estudo traz evidências robustas e detalhadas acerca dos fatores responsáveis pelas variações dos indicadores sociais no período mais crítico da pandemia.
No mês de maio deste ano a Organização Mundial de Saúde decretou o final da pandemia de Covid-19. Declarada como pandemia no início de 2020, a Covid-19 provocou, além de mais de 700 mil mortes no Brasil até o momento, uma grave crise social nos grandes aglomerados urbanos do país. No conjunto das vinte e duas principais regiões metropolitanas do Brasil, a taxa de pobreza subiu de 26,4% para 31,4% entre 2019 e 2021, o que significa que mais de 4,5 milhões de pessoas caíram para baixo da linha de pobreza. A renda domiciliar per capita média sofreu queda de 12,8% nos dois primeiros anos da pandemia, afetando principalmente os estratos mais baixos, e assim fazendo a desigualdade subir.
O estudo mostra, no entanto, que a dinâmica dos indicadores sociais está longe de ser uniforme quando comparamos o primeiro (2020) e o segundo (2021) anos da pandemia, e que sua variação está diretamente relacionada com as políticas de transferência de renda, destacando-se o Auxílio Emergencial. Entre 2019 e 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19 no Brasil, houve clara redução da desigualdade e uma variação discreta – ainda que positiva – das taxas de pobreza. Já no segundo ano da pandemia, no entanto, entre 2020 e 2021, o quadro muda bastante, com tendência de aumento muito significativo tanto da desigualdade quando da pobreza monetária.
Segundo o estudo, a explicação para tamanha mudança de rota, em um espaço tão curto de tempo, se encontra em dois fatores: primeiro, na dinâmica da renda auferida no mercado de trabalho, duramente afetada pela pandemia; segundo, nas variações das principais políticas de auxílio.
Se, entre 2019 e 2020 a piora da concentração da renda do trabalho puxou a desigualdade para cima, o aumento do montante de rendimentos provenientes do Auxílio Emergencial a trouxe para baixo, fazendo um importante contrapeso que resultou na melhora da distribuição de rendimentos naquele período e, também, na contenção do aumento da pobreza. Já no segundo ano da pandemia (2020-2021), entretanto, as variações nas políticas de transferência de renda se constituíram no principal fator puxando a desigualdade e a pobreza para cima. Como consequência, em 2021 os níveis de desigualdade e pobreza atingiram os maiores valores da série histórica.
Segundo Andre Salata, coordenador do PUCRS Data Social e um dos autores do estudo, apesar dos problemas de implementação e focalização, em 2020 o Auxílio Emergencial foi o grande responsável por segurar as taxas de pobreza e desigualdade diante de um mercado de trabalho fortemente atingido pela pandemia. “Já em 2021, enquanto o mercado de trabalho se recuperava, as variações nas políticas de auxílio jogaram as desigualdades e as taxas de pobreza lá para cima, atingindo recordes históricos. Ou seja, a grave crise social de 2021 poderia ter sido, no mínimo, bastante amenizada”, destacou.
O estudo aponta que, em 2021, a recuperação do mercado de trabalho já puxava a desigualdade para baixo, e pouco contribuía para o aumento da pobreza. No entanto, as variações nas políticas de auxílio mais do que compensaram, negativamente, aquelas tendências, fazendo a desigualdade e a pobreza subirem. “Em 2021 a vacinação em massa já começou a permitir um retorno mais seguro da atividade econômica, contribuindo para recuperação da renda dos mais pobres. No entanto, neste mesmo ano houve fortes e abruptos cortes no Auxílio Emergencial, não nos permitindo aproveitar aquela tendência positiva”, explica Marcelo Ribeiro, professor do IPPUR-UFRJ e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.