Cada ano tem sua identidade, um conceito-chave. Impregnado das características do ciclo que se abre, o novo ano emerge sob a sombra do ano que foi embora e as luzes do amanhã. Temos a possibilidade de sentir seu pulso, mais lento ou mais apressado, e carimbando-os com alguns adjetivos: povoado de harmonia ou guerreiro, cheio de ódio e rancor, esperançoso e portando a bandeira da crença, ou pessimista, embalado nos panos sangrentos de guerras. Infelizmente, os traços da devastação são mais visíveis que as superfícies dos territórios irrigados pelo suor dos desvalidos, dentre eles os contingentes migratórios; pela destruição de armas mortíferas, que avolumam o fragor das guerras modernas; e, ainda, pelo brado odioso de radicais, que se farão presentes, aqui, em nossos trópicos, e ali, no seio da maior democracia ocidental, os Estados Unidos da América. Ao fundo, leremos as letras em defesa da sustentabilidade com sua mensagem para apagar o fogo do planeta em fúria. Olhemos para a crise das barrigas vazias. Os contingentes famintos entopem os caminhos que dão acesso ao território norte-americano. Milhares de latino-americanos, das Américas Central e do Sul, se agrupam no corredor mexicano que bate na fronteira com os EUA, arregimentando populações nas passagens, caminhando a pé por milhares de quilômetros para chegar “à terra prometida”. A fome no mundo é o motor da desesperança. E o empurra-empurra do entra-não-entra acirrará a briga das barrigas vazias contra os estômagos cheios. Os “guerreiros de Brancaleone” enfrentarão as políticas antimigratórias de Joe Biden, o democrata que passou a vestir o manto de comandante enérgico que vai evitar o estouro da boiada, e o discurso bélico do implacável Donald Trump, o construtor do muro contra os migrantes, fechando as fronteiras da América “grande”. E assim, a Humanidade verá sangue e lágrimas na abertura de 2024, assistindo ao triste calvário dos amortecidos. E haja sangue. Os conflitos da modernidade nos jogam nos bárbaros tempos da civilização. A guerra entre a invasora Rússia e a resistente Ucrânia continua clamando pela presença de negociadores que possam trazer luzes de paz. A diplomacia fenece. Os “senhores das armas” dão provimento aos magnos interesses da indústria militar, tampando os ouvidos ao apelo do convívio pacífico entre Nações. A carnificina que emerge na paisagem da guerra entre Israel e os terroristas do Hamas ganha longitude face ao discurso do primeiro-ministro Benjamin Netanyahou de continuar a guerra até eliminar o terrorismo. O mundo se prepara para jogar sua sorte nas urnas eleitorais. Oito dos doze meses mais populosos do planeta, como Bangladesh, Brasil, Índia, Indonésia, México, Paquistão, Rússia e Estados Unidos, farão eleições. 27 nações da União Europeia também deverão ir às urnas em junho para selecionar os representantes no Parlamento Europeu. Consideradas as populações dos quase 80 países com pleitos programados, os eleitores poderão chegar a pouco mais de quatro bilhões, ou seja, mais da metade da população mundial, em torno de 8 bilhões. Para que rumo iremos? Para a direita, para a esquerda ou o planeta terá maioria para ganhar o centro do arco ideológico? Analistas políticos tendem a enxergar uma guinada do planeta à direita, identificando tal direção como opção das maiorias por trazer para o foro de debates uma pauta de costumes, com relevo para o universo familiar, abrigando temas como aborto, uso de drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, educação sexual nas escolas, uso de armas para defesa pessoal etc. Países como Estados Unidos e Rússia debaterão uma agenda ultraconservadora de valores. Donald Trump, caso consiga passar pelos corredores da Justiça e viabilizar a candidatura, quer ser a fortaleza antimigratória e da defesa da América “grande novamente”. Sua eventual eleição impactará o sistema democrático. Joe Biden se posta também contra a entrada de migrantes nos Estados Unidos, e busca o apoio dos contingentes conservadores. Vladimir Putin realimenta o sonho de grandeza dos tempos da União Soviética, puxando a temática do ultraconservadorismo e a marca da Rússia como centro das potências mundiais. Na vizinhança, um comandante tonitruante abre sinais para uma guerra civil. Javier Milei encarna o destroço do status quo. A batalha mais próxima de nossa visão se dará aqui. Os “exércitos” de Lula e Bolsonaro lutarão corpo a corpo. A “Pátria Amada” será disputada pelas duas bandas, sob o som estridente da corneta. A polarização mostrará um país dividido. O ano de 2024 abrirá uma grande fenda no escudo lulopetista com a instalação concreta do semiparlamentarismo. Nos bastidores, uma batalha para atrair oportunistas e vendedores da alma. Difícil apostar na crença de que Deus é brasileiro. |