Esse é o alerta do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) para o Dia Mundial do Câncer – 4 de fevereiro. Com 17 mil novos casos previstos para 2024, o câncer de colo do útero é o tumor ginecológico mais comum nas brasileiras, uma incidência que ultrapassa em três vezes a meta estabelecida pela OMS. EVA destaca que Brasil deve se inspirar na Escócia, país no qual estudo mostra que não houve casos de câncer de colo do útero em mulheres que foram totalmente vacinadas contra o HPV

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que em 2024 mais de 17 mil brasileiras vão receber o diagnóstico de câncer de colo do útero. Esse número equivale a uma taxa ajustada de treze casos para cada 100 mil brasileiras, superando em três vezes a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de até 4 casos para cada 100 mil mulheres. Em seu documento, a OMS ressalta a doença como sendo um problema de saúde pública e que seria necessário reduzir a incidência abaixo para este limiar em todos os países até 2030.

No Brasil, esse contexto de alta incidência é visto apesar de haver políticas de controle do câncer de colo do útero desde 2008, ano em que o Ministério da Saúde lançou uma campanha nacional de combate aos tumores colo-uterinos e da oferta, desde 2014, da vacina gratuita contra o papilomavírus humano (HPV) no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a adesão ao imunizante é baixa, assim como há gargalos no acesso das brasileiras aos exames preventivos, levando aos números ainda distantes da meta estabelecida pela OMS.

De acordo com o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), presidido pelo cirurgião oncológico Glauco Baiocchi Neto, diante da oferta de vacina gratuita contra HPV no SUS há dez anos, é inaceitável o alto número de casos de câncer de colo do útero no Brasil. Um gargalo que, segundo o EVA, precisa ser alertado na mobilização global marcada para este domingo (4), que é o World Cancer Day/Dia Mundial do Câncer. A ação traz para 2024 o tema que, traduzido para o português, convoca a todos para resolver os gargalos do cuidado, criando um futuro sem câncer, sendo que o tempo de ação é agora.

10 anos de vacina contra HPV no SUS – Esse futuro sem câncer de colo do útero passa por uma maior adesão à imunização contra HPV. Levantamento feito pelo EVA na base DataSUS mostra que, a cada ano, houve uma permanente diminuição da quantidade de doses aplicadas. O melhor resultado foi obtido justamente em 2014, quando foram aplicadas quase 8 milhões de doses da vacina contra HPV nas meninas brasileiras. Naquele ano, a imunização foi levada para dentro das escolas públicas. O número caiu para abaixo de 6 milhões de doses no ano seguinte. E, entre 2016 e 2022 o total não superou a marca de 2 milhões de doses. A boa notícia é que em 2023, segundo o Ministério da Saúde, foram aplicadas 5,8 milhões de doses, aproximando-se da marca registrada em 2015.

A imunização contra o HPV é principal forma de prevenção do câncer de colo do útero. A vacina é disponibilizada pelo SUS para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos de idade, pessoas imunossuprimidas – indivíduos que vivem com HIV ou AIDS; transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea; pacientes oncológicos; e vítimas de violência sexual de 9 a 45 anos de idade. 

EM BUSCA DA COBERTURA 90-30-90 – No plano de metas para 2030, a OMS aponta para a necessidade de que 90% das meninas estejam vacinadas com a vacina contra o HPV até os 15 anos; 70% das mulheres sejam examinadas com um teste de alta qualidade aos 35 e 45 anos e 90% das mulheres recebam tratamento no estágio inicial da doença. Nesta meta 90-70-90, a proposta atual para o país, por meio do movimento Brasil Sem Câncer de Colo do Útero, do qual o EVA faz parte, é de uma adaptação para 90-30-90.

Isso porque a OMS defende o rastreamento de câncer de colo do útero com a técnica de HPV DNA, estimando que 70% das mulheres estejam cobertas por este método de rastreamento. No Brasil, a forma de rastreamento disponível no SUS é pelo exame de Papanicolau. Com base nisso, a defesa do movimento brasileiro é pela realização de Papanicolau anualmente por 30% das mulheres, sendo que, em caso de exame negativo, ele pode ser feito a cada três anos. Sendo assim, em um triênio, 90% das mulheres estariam cobertas com essa técnica de rastreamento.

Paralelamente, o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) defende a incorporação do teste molecular para o HPV no SUS. A boa notícia é que em janeiro de 2024 houve um parecer preliminar favorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) à esta incorporação como meio de detecção do papilomavírus humano (HPV) para rastreamento do câncer do colo do útero no SUS.

O órgão reconhece que as evidências científicas mostram que o rastreamento com testes moleculares para detecção da doença é mais eficiente para a identificação de lesões precursoras do câncer do colo do útero e que isso, consequentemente, contribui para a redução de novos casos e da mortalidade pela doença. Além disso, a identificação precoce do câncer e das lesões pré-malignas permite o uso de tratamentos menos invasivos, a melhora da qualidade de vida durante o tratamento e o aumento da possibilidade de cura.

Apesar do teste molecular ser um exame mais caro do que o Papanicolau, quando realizado na periodicidade de cinco anos observa-se que ele é custo efetivo, principalmente levando-se em consideração que o tratamento do câncer de colo uterino envolve alta complexidade e custos, além de impacto pessoal e social imensuráveis. “O teste de genotipagem do HPV permite identificar de forma bem mais eficiente a população em risco de vir a desenvolver lesões precursoras ou câncer”, explica o cirurgião oncológico Glauco Baiocchi Neto, presidente do EVA.

ESCÓCIA MOSTRA QUE É POSSÍVEL – Um estudo publicado em 22 de janeiro no Journal of the National Cancer Institute por pesquisadores da Public Health Scotland, ligada ao governo escocês, confirma que a vacina bivalente previne o desenvolvimento de câncer de colo do útero invasivo e que mesmo uma ou duas doses com intervalo de um mês conferem benefícios se administradas aos 12-13 anos de idade. Em idades mais avançadas, são necessárias três doses para uma eficácia da vacina estatisticamente significativa. Ainda segundo os autores, as mulheres de áreas mais desfavorecidas beneficiam mais da vacinação do que as de áreas menos desfavorecidas.

Em resumo, não foram registados casos de câncer de colo do útero em mulheres imunizadas aos 12 ou 13 anos de idade, independentemente do número de doses. Mulheres vacinadas entre 14 e 22 anos de idade e que receberam três doses da vacina bivalente mostraram uma redução significativa na incidência em comparação com todas as mulheres não vacinadas (3,2 casos para cada 100 mil escocesas, dentro da meta da OMS).  

Referências bibliográficas

Estimativa 2023-2025: incidência do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa. Acesso em: 31 Jan 2024. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA.

Organização Mundial da Saúde. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/cervical-cancer. Acesso em: 31 Jan 2024.

Palmer TJ, Kavanagh K, Cuschieri K, Cameron R, Graham C, Wilson A, Roy K. Invasive cervical cancer incidence following bivalent human papillomavirus vaccination: a population-based observational study of age at immunization, dose, and deprivation. J Natl Cancer Inst. 2024 Jan 22:djad263.

Sobre o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) – O EVA é uma associação sem fins lucrativos, composta em sua maioria por médicos, que tem como missão o combate ao câncer ginecológico. Seu time, multiprofissional, atua com foco na educação, pesquisa e prevenção, assim como promove apoio e acolhimento às pacientes e aos familiares. A idealização e a organização do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos foram iniciadas pela oncologista clínica Angélica Nogueira Rodrigues, no Hospital do Câncer II do Instituto Nacional de Câncer (INCA). A primeira reunião ocorreu em 12 de março de 2010 e o nome Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos passou a ser utilizado a partir desta data. A primeira reunião para nacionalização do grupo ocorreu no Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em 2013, na cidade de Brasília. O nome EVA foi resultado de uma reunião neste evento e foi sugerido pela oncologista clínica, coordenadora da área de apoio ao paciente (advocacy) do grupo, Andréa Paiva Gadelha Guimarães. O ginecologista oncológico Glauco Baiocchi Neto é o diretor-presidente do EVA na gestão 2023-2024.

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