A pesquisa clínica é uma ferramenta fundamental para o avanço da medicina e a melhoria da saúde, desempenhando um papel crucial para o desenvolvimento de novas terapias. No Brasil, esse campo tem se mostrado cada vez mais relevante, especialmente no contexto das doenças raras. Ao analisar as especificidades da pesquisa clínica voltada para essas condições, é essencial compreender o funcionamento do sistema no país, avaliar os desafios enfrentados e discutir qual a importância da governança nesse processo. 

No Brasil, a pesquisa clínica é regulada por um conjunto de normativas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) . O processo de aprovação de estudos clínicos é rigoroso e visa a garantir a segurança e o bem-estar dos participantes. Assim, pesquisadores, instituições e pacientes precisam estar cientes dessas normas para conduzir pesquisas clínicas de forma ética, segura e confiável. 

Um protocolo rigoroso é fundamental para assegurar que os estudos sejam conduzidos de acordo com os mais altos padrões éticos e científicos. Todavia, o grande número de etapas envolvidas pode tornar o processo demorado, levando muitos meses para a aprovação de um estudo clínico. Apesar de necessário para a segurança, isso pode retardar o início de pesquisas importantes, principalmente para pessoas com doenças raras que têm condições progressivas e que não têm outras opções de tratamento.  

A meu ver, um dos principais desafios na pesquisa clínica para doenças raras é o recrutamento de pacientes. Além de serem poucos pacientes com cada doença específica, o diagnóstico é muitas vezes tardio, e muitos pacientes acabam não se enquadrando nos critérios de inclusão dos estudos clínicos por estarem fora da faixa etária permitida ou por apresentarem um quadro avançado da doença, o que por vezes limita a identificação de participantes elegíveis. 

A MPS tipo II é um exemplo disso. Embora os sintomas geralmente comecem a ser perceptíveis nos primeiros meses de vida, esses sinais podem ser confundidos com outras patologias, fazendo com que o paciente passe por diferentes especialistas e seja submetido a uma série de exames, por vezes a tratamentos inadequados, antes receber o diagnóstico correto, por meio de testes bioquímicos e genéticos, geralmente vários anos depois. 

Uma forma de agilizar esse diagnóstico e acelerar a inclusão de pacientes em estudos clínicos é a expansão do teste do pezinho. Incluir as MPSs na triagem neonatal seria uma maneira de detectar rapidamente a MPS-II, além de outras doenças raras, garantindo o tratamento disponível para minimizar os efeitos dessas patologias nos pacientes e eventualmente permitindo a inclusão dos pacientes em protocolos clínicos para terapias inovadoras. O exame já é previsto em lei desde 2021, mas o Brasil ainda enfrenta dificuldades para efetivar sua implementação.  

O recrutamento de pacientes com doenças raras é uma tarefa árdua, agravada pela falta de diagnósticos precoces e pela dispersão geográfica desses pacientes. Para superar esses obstáculos, é fundamental implementar programas de conscientização e educação para médicos e profissionais de saúde sobre doenças raras, bem como o aprimoramento da infraestrutura de pesquisa com equipamentos, tecnologia e suporte técnico adequados, melhorando o diagnóstico e a encaminhamento de pacientes para estudos clínicos.  

A pesquisa clínica não só promove avanços médico-científicos como pode também trazer benefícios econômicos significativos para o país. No Sistema Único de Saúde (SUS), a introdução de novos tratamentos derivados de estudos clínicos pode reduzir os custos a longo prazo, ao diminuir a necessidade de tratamentos paliativos e de hospitalizações frequentes, elevando a qualidade de vida dos pacientes, resultando em menor utilização de recursos de saúde e em maior produtividade econômica por meio das novas terapias. 

Ser um país com um ambiente de pesquisa clínica bem regulado e eficiente, pode posicionar o Brasil como um destino atrativo para investimentos financeiros e intelectuais, impulsionando a economia, criando empregos altamente qualificados, ao mesmo tempo em que possibilita o acesso antecipado dos pacientes brasileiros ao que há de mais avançado em tratamento para a sua doença, além de proporcionar ao Brasil o conhecimento da inovação ao mesmo tempo que os países de primeiro mundo, como Estados Unidos e Europa. E, as vezes, até antes destes países, como foi o caso do estudo clínico do alfapabinafuspe indicado para pacientes com MPS II, que veio ao Brasil logo após o Japão, ajudando a enfrentar uma necessidade médica urgente ainda não atendida.  

De setembro de 2018 a março de 2023, 20 pacientes com MPS-II no Brasil receberam o alfapabinafuspe como parte de um estudo clínico. expectativa é de que os resultados do estudo de fase III para essa medicação sejam publicados em 2026. O tempo entre o início do desenvolvimento de um medicamento até autorização para comercialização é estimado em pelo menos nove anos, um período significativo para pacientes com doenças raras, que podem sofrer danos irreversíveis ou até mesmo ir a óbito durante este período. Isso destaca a importância do acesso antecipado aos tratamentos inovadores através da pesquisa clínica. 

A pesquisa clínica tem um potencial gigantesco para transformar a vida de pacientes com doenças raras e gerar benefícios econômicos para o Brasil. Contudo, para alcançar esses benefícios, é necessário enfrentar desafios e apresentar soluções inovadoras, junto com uma governança robusta. Dessa maneira, ao melhorarmos a eficiência dos processos regulatórios, promovendo a colaboração, transparência e investindo na infraestrutura de pesquisa, o Brasil pode se posicionar como um dos líderes mundiais em pesquisas clínicas para doenças raras. Com dedicação e colaboração, é possível transformar a esperança em uma realidade palpável para milhões de pessoas que vivem com doenças raras. 

* Dr. Roberto Giugliani, geneticista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Head de Doenças Raras da Dasa Genômica e Co-Fundador da Casa dos Raros.  

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