* por Paulo Chanan
A polêmica envolvendo a autorização dos cursos de medicina pelo Brasil está recheada de discussões técnicas sobre quais critérios devem ser seguidos para que as faculdades possam iniciar seus cursos. Entidades como o Conselho Federal de Medicina tem atuado para barrar o lançamento de novos cursos, enquanto o Ministério da Educação (MEC) tem procurado colocar obstáculos nos cursos que já estavam em tramitação há anos e tem buscado trazer insegurança para os alunos que estão em faculdades cujos cursos funcionam por meio de decisões judiciais. Porém, no meio de todo esse embate, um ponto importante tem ficado de lado: a presença de mais médicos é importante para fortalecer o acesso à saúde e, em especial, fortalecer o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de ofertar a saúde aos mais pobres.
Segundo dados do DATASUS, que pertence ao Ministério da Saúde, o Brasil conta com 2,56 médicos para cada mil habitantes, índice próximo ao de países como os Estados Unidos. O número está abaixo daquilo que a OCDE convenciona como um número ideal e que o próprio MEC utiliza como critério: 3,73 médicos para cada mil habitantes. Apenas 118 (11,27%) dos municípios, porém, se encaixa no índice recomendado pela OCDE. Também há discrepâncias regionais. Mais de 290 mil médicos estão concentrados nas capitais. Na região Nordeste, apenas 52 municípios (2,63%), e na Região Norte apenas 28 municípios (5,44%) possuem 3,73 ou mais médicos por mil habitantes.
Quando falamos em especialidades, as discrepâncias são ainda maiores. Dados da Demografia Médica 2023, que têm como base o Censo 2022, apontam que há apenas 1,58 médico especialista a cada mil habitantes em todo o Brasil, considerando 55 especialidades. Entre os estados, há contrastes como o número de 0,46 médicos especialistas no Pará e 60,84 especialistas no Distrito Federal.
Estamos falando de um cenário caótico para a população, em especial para quem vive em locais mais carentes e remotos. Com grande concentração de médicos nos grandes centros urbanos, é a população mais pobre e do interior quem mais sofre, já que ao Sistema Único de Saúde (SUS) também fica sobrecarregado em número de pacientes e carente em relação a médicos.
Mas essa é uma realidade que o MEC e instituições como o CFM parecem estar ignorando. O MEC vem oferecendo obstáculos aos cursos sob júdice ao publicar novas portarias que estabelecem novas etapas de seleção e promovem a mudança de critérios para a autorização de novos cursos. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, permitiu em julgamento que a tramitação dos processos que já haviam passado da fase inicial de documentação são um alento e mostram que o judiciário está atento às demandas sociais por mais médicos no país, além de uma assistência primária de melhor qualidade. Dessa forma, abre-se um caminho para que alunos de medicina possam ter suas vidas transformadas ao praticar esse ofício.
Novos cursos de medicina são mais do que necessários. O Brasil precisa avançar em diversas políticas públicas de saúde, com ampliação do acesso de mais médicos e de estrutura em locais mais remotos do país. Para isso, é preciso ampliar e fortalecer o sistema educacional, buscando cursos de medicina a preços mais acessíveis e fortalecendo o SUS. Apenas assim, poderemos superar o déficit de profissionais e oferecer melhores condições de saúde a todos.
* Paulo Chanan é presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi)