Por Alejandra Debbo, professora do curso de Medicina da Universidade Tiradentes*.
A utilização medicinal da cannabis tem ganhado destaque no tratamento de diversas patologias, oferecendo alternativas terapêuticas eficazes. Porém os principais desafios para o uso medicinal da Cannabis no Brasil incluem o custo elevado e o preconceito, entre outros.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) libera apenas o óleo de cannabis rico em canabidiol isolado, e para algumas síndromes que causam epilepsia refratária. A falta de ampla disponibilidade no SUS e o custo elevado dos medicamentos e o fato de muitas vezes não serem cobertos pelos seguros de saúde limitam sua distribuição para muitos pacientes. Além disso, o preconceito associado à Cannabis continua sendo uma barreira significativa, apesar de seu uso medicinal ser documentado há mais de 4 mil anos.
Outros fatores que dificultam a pesquisa e produção de medicamento à base de Cannabis
A pesquisa e produção desse tipo de medicamento acaba sendo restringida por fatores como a regulamentação e a legislação, que variam muito entre países e até mesmo entre estados ou regiões dentro de um mesmo país; a ilegalidade da Cannabis, que dificulta a pesquisa, produção e prescrição de medicamentos derivados; os padrões de qualidade e consistência, pois a planta de cannabis contém centenas de compostos químicos que podem variar significativamente entre diferentes plantas e produtos — garantir a consistência e a qualidade dos produtos derivados da cannabis é ainda um desafio.
Por fim, a educação dos profissionais de saúde sobre a cannabis medicinal, consequentemente ainda não é adequada, o que restringe a prescrição correta e a orientação dos pacientes quanto ao uso terapêutico.
Abordar essas dificuldades requer um esforço coordenado entre governos, comunidade científica, profissionais de saúde e sociedade em geral para promover o uso seguro e eficaz da cannabis medicinal, que ainda é um produto caro e não disponível para todas as classes sociais e econômicas.
Evidências científicas sustentam a aplicação da Cannabis em diversas condições
O uso da Cannabis em condições como epilepsia refratária, doença de Parkinson, autismo, doenças psiquiátricas (depressão, ansiedade, estresse pós-traumático) e demências vem apresentando resultados positivos cientificamente comprovados. Outras afecções que a aplicação de medicamentos baseados em Cannabis tem mostrado eficácia são: dor crônica, especialmente a dor neuropática e dor da fibromialgia, que é frequentemente resistente a outros tipos de tratamento; esclerose múltipla, aliviando a espasticidade (rigidez muscular) associada; náusea e vômito induzidos por quimioterapia; transtornos de ansiedade e do sono; síndrome de Tourette; glaucoma e doenças inflamatórias intestinais (DII).
A pesquisa contínua e rigorosa é necessária para confirmar esses benefícios, entender os mecanismos de ação e determinar as indicações dos diferentes canabinoides, as doses e formas de administração mais eficazes e seguras.
Do que são feitos os medicamentos
Os principais componentes usados na produção desses remédios são os canabinoides, encontrados na flor da planta da Cannabis. Além disso, terpenos e flavonoides, presentes em menor quantidade nas folhas e no caule, também são utilizados. Esses componentes atuam no sistema endocanabinoide humano, ajudando a equilibrar os neurotransmissores e melhorando condições associadas a diversas doenças.
O sistema endocanabinoide é essencial para a regulação de várias funções corporais e o equilíbrio interno. A pesquisa científica continua a explorar como a modulação desse sistema pode ser usada para tratar diversas condições de saúde, destacando o potencial terapêutico dos canabinoides derivados da planta Cannabis.
Entre os canabinoides, os mais importantes são o CBD (canabidiol) e o THC (tetraidrocanabinol). Outros componentes incluem canabinoides adicionais, terpenos e flavonoides (óleos de espectro completo) todos utilizados no tratamento de diversas doenças.
Os principais remédios que utilizam cannabis e suas substâncias derivadas são, predominantemente, os óleos. Esses medicamentos são administrados via oral, de forma sublingual. Além dos óleos, também existem comprimidos, cápsulas, gomas e pomadas, embora o uso de óleo seja mais comum.
Situação Atual dos Medicamentos de Cannabis no Brasil
No Brasil, a ANVISA autorizou a importação de medicamentos derivados da Cannabis e, em seguida, a comercialização de medicamentos e produtos à base de cannabis em farmácias. Há associações brasileiras que já foram autorizadas a produzir remédios para seus associados.
Diferença entre uso medicinal e o uso recreativo da Cannabis
Há uma distinção clara entre o uso medicinal da cannabis e o consumo adulto (anteriormente chamado de uso recreativo). O consumo de maconha fumada, que contém maior concentração de THC, é geralmente utilizado para aliviar a ansiedade e melhorar o sono, proporcionando um efeito rápido e intenso, mas de curta duração. Em contraste, os óleos de cannabis, que podem conter THC em doses menores, são administrados oralmente e têm um efeito mais prolongado, sendo mais indicados para o tratamento de doenças crônicas. A vaporização da flor de cannabis é outra forma de administração usada em casos específicos, como crises de ansiedade e epilepsia.
*Professora Alejandra Debbo também é membro da Secretaria da Comissão Técnica de Dor e Fibromialgia da Sociedade Brasileira de Estudos de Cannabis (SBEC).