Ministério indeferiu curso da UNIFACENS com base no número de médicos do município, contrariando decisão do STF e a própria Lei do Mais Médicos

Um estudo apresentado pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), com base em informações do Ministério da Educação e da Saúde, aponta que entre os 196 processos judicializados em tramitação no Ministério da Educação, 43 (21,93%) pertencem a municípios que possuem mais de 3,73 médicos por mil habitantes, embora situados em regiões de saúde com índices menores que o de 3,73. A tendência é que esses pedidos de aberturas de novas vagas sejam indeferidos, já que o MEC tem utilizado a Portaria nº 531/2023 como parâmetro, contrariando decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os números indicados no Painel da AMIES estão baseados em informações do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e do DATASUS, que são utilizados na apreciação dos processos de autorização de novos cursos de medicina. No início de julho, o Centro Universitário FACENS (UNIFACENS), de Sorocaba (SP), teve o seu processo para a obtenção do curso de medicina indeferido pelo Ministério da Educação (MEC), que alegou que não haveria “relevância e necessidade social” para o curso utilizando apenas dados do município e não da região de saúde (conjunto de municípios que compartilham identidades culturais, econômicas, sociais, infraestrutura de transporte e serviços de saúde) como consta na Lei do Mais Médicos (Lei nº 12.871/2013).

Isso porque a cidade de Sorocaba possui um índice de 5,13 médicos por mil habitantes, número acima de 3,73 médicos, indicador utilizado pelo MEC que observa parâmetros da OCDE para determinar o índice. A região de saúde de Sorocaba, que engloba 20 municípios, tem um índice de 2,87, o que tornaria o curso passível de deferimento de acordo com o parâmetro da Lei do Mais Médicos. Recentemente, o STF determinou, no julgamento da ADC 81, que os 196 processos judiciais de pedidos de novas vagas que já haviam passado da fase inicial de análise documental poderiam tramitar seguindo a Lei do Mais Médicos.

Segundo Esmeraldo Malheiros, advogado e consultor jurídico da AIMES, especialista em Direito Educacional, o indeferimento do curso da UNIFACENS com base no índice de médicos do município, oferece insegurança jurídica e caracteriza retrocesso social.

“O que acontece ali é um caso muito comum em todo o Brasil. Há casos em que o município escolhido para a sede do curso, por sua importância social e econômica, constitui polo de desenvolvimento para a região e reúne um contingente de médicos e de serviços e equipamentos de saúde muito maior que os demais municípios que integram essa mesma região de saúde e que utilizam a referida estrutura. Por isso, negar o curso com base apenas no dado de médicos por mil habitantes de um dos municípios da região de saúde, impõe um gravame aos demais municípios carentes e que compartilham e utilizam esses serviços, o que caracteriza um retrocesso social”, detalha Malheiros.

“Há um conceito básico de regionalização. Isso quer dizer que o atendimento de médicos de especialidades diferentes pode ser feito em várias cidades, otimizando os recursos de saúde que são limitados. Essas duas cidades vão se atender mutuamente nesse sistema integrado e regionalizado de saúde. Há um grande problema se o MEC usa a contagem apenas por municípios porque não reflete essa situação”, reflete Edgar Jacobs, advogado especializado em direito educacional e sócio da Jacob’s Consultoria.

O curso da UNIFACENS não é o único indeferido por esse mesmo motivo. O curso do Centro de Ensino Superior de Divinópolis (MG) foi indeferido pelo fato do município ter um índice de 4,06 médicos, ainda que esteja em uma região de saúde com índice de 3,08, ou seja, seria apta para receber novos cursos. Casos similares também aconteceram com a UNICEP, de São Carlos (SP), Centro Universitário Facvest, de Lages (SC), e Instituto UNISUL de Itajaí (SC). Em todos esses casos os municípios tinham índice de médicos superiores a 3,73, mas suas regiões de saúde possuíam índices menores. Até agora, o MEC já indeferiu nove pedidos de novas vagas de municípios que se enquadram nesses critérios. Outros 34 ainda correm o risco de indeferimento.

Painel da Educação Médica da AMIES

O Painel da AMIES, que utiliza dados do DATASUS, aponta que 149 municípios brasileiros possuem mais de 3,73 médicos por mil habitantes e, não poderiam receber novos cursos de medicina, enquanto apenas 18 regiões de saúde não poderiam receber novos cursos, o que indica uma restrição a mais cursos em todo o Brasil.

A desobediência à decisão do STF

O julgamento da ADC 81 concluído em junho pelo Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os cursos de medicina devem seguir a Lei do Mais Médicos e observar a sistemática de chamamento público para novas autorizações. No entanto, ressalvou que os processos já em andamento por força de decisão judicial, que ultrapassaram a fase inicial de análise documental, deveriam ter seguimento observando os parágrafos 1º, 2º e 7º do art. 3º da Lei 12.871/2013. Eles determinam que a apuração do critério da relevância e necessidade social do curso deve observar os dados de médicos por mil habitantes da região de saúde e não do município conforme pretendido pelo MEC e previsto na Portaria nº 531/2023. Segundo Malheiros, esse aspecto contraria a determinação do STF e a própria Lei do Mais Médicos.

“A oferta de ensino superior pela iniciativa privada demanda previsibilidade e segurança jurídica quanto às ações do Poder Público. No caso concreto a situação é ainda mais grave porque há uma clara contradição entre o que estabelece a lei e o determinado pelo STF com a prática adotada pelo MEC que, aliás, contraria a própria política pública, que sempre utiliza a região como parâmetro para as ações relativas à saúde”, ressalta Esmeraldo Malheiros.

Ele explica ainda que a elaboração de políticas públicas que considerem as regiões de saúde e não apenas os municípios como forma de fortalecimento regional do SUS são atestadas pelos Ministérios da Educação e da Saúde. Em julho, o Ministério da Saúde lançou um painel com as Macrorregiões e Regiões de Saúde, contendo informações estratégicas que ajudem no fortalecimento do SUS e no aprimoramento das políticas públicas de saúde. O reconhecimento da importância dessas regiões, mesmo que contenha municípios com coeficiente altos, também acontece no edital do Mais Médicos nº 1/2023 e na própria Lei do Mais Médicos. O Ministro Gilmar Mendes do STF, em sua decisão na ADC 81 ressaltou que os critérios de relevância e necessidade social devem seguir os dados das regiões de saúde.

“A decisão do ministro se deu no sentido de garantir que os processos judicializados convergissem às condições previstas na Lei do Mais Médicos. Mas o que se viu foi uma instrução com critérios muito mais restritivos, como considerar o número de médicos por município e não por região de saúde. Além disso, a norma também se declara retroativa, ou seja, aplicável aos processos já existentes, o que quebra o princípio da segurança jurídica e contraria entendimentos jurídicos já estabelecidos. Isso traz grandes prejuízos para a abertura de novos cursos e para o exercício de mais médicos no país”, finaliza Jacobs.

Ambos os especialistas ainda apontam que no edital de chamamento nº 1 do Mais Médicos, lançado em outubro do ano passado, o MEC também elege regiões de saúde de todo o Brasil para receber novos cursos, inclusive em cidades com altos indicadores de médicos por mil habitantes, o que contraria a sua própria argumentação em relação à Portaria nº 531.

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