O rim é o órgão mais aguardado e a falta da doadores ceifa vidas na fila de espera. Especialista desmistifica mitos sobre o processo

Dados do último Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), publicado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), mostram uma situação delicada sobre a fila de espera por transplantes. Segundo o último levantamento da entidade, 64.265 pessoas estão aguardando um órgão no Brasil, sendo 2.089 em Goiás.

E o número só cresce. De janeiro a junho deste ano, 7.699 pessoas entraram na fila de espera no País. Em Goiás, foram 147.

O número de transplantes realizados não consegue acompanhar o ritmo. No primeiro semestre deste ano, foram 4.579 em todo o território nacional. Enquanto isso, 1.210 pessoas morreram à espera de um transplante no mesmo período.

O rim aparece como o órgão mais aguardado no Brasil: são 35.695 na fila de espera. Em Goiás, são 544, atrás apenas da córnea, aguardada por 1.531 pacientes.

É também na espera de um rim que mais pessoas morrem na fila de transplante. De janeiro a junho, foram 1.210 óbitos registrados no País – cinco deles em Goiás.

A discussão sobre essa realidade alarmante ganha ainda mais relevância nesta sexta-feira, 27 de setembro, data em que se comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos. A data, instituída pela Lei nº 11.584/2.007, visa conscientizar a sociedade sobre a importância da doação e, ao mesmo tempo, fazer com que as pessoas conversem com seus familiares e amigos sobre o assunto.

“A conscientização das famílias sobre a doação de órgãos é fundamental, pois a decisão de doar frequentemente recai sobre os familiares em momentos de dor e perda”, comenta o urologista Rodrigo Rosa de Lima, especialista em Transplante Renal. “Quando as famílias já discutiram e entenderam a importância da doação, a decisão pode ser menos dolorosa e mais clara. Além disso, essa conscientização ajuda a desmistificar muitos mitos que cercam o tema, permitindo que mais pessoas se tornem doadoras e, consequentemente, salvando vidas.”

Salvo por uma doação

O empresário Eduardo Jorge Roriz Rodrigues, de 47 anos, conhece bem a importância de se discutir a doação de órgãos. Sofrendo de rins policísticos desde a infância, precisou ser submetido a um transplante de rim em março de 2022.

“Como a doença progride lentamente, tive uma vida normal, até os 40 anos. A partir daí, já comecei a ter alguns problemas. Mas a insuficiência renal chegou mesmo quando, por engano, tomei o anti-inflamatório Torsilax como se fosse analgésico por 4 meses, na tentativa de curar uma dor na lombar”, relata Eduardo. “Antes de tomar os remédios, eu tinha 19% de função renal. Quatro meses depois, já estava com 10% somente. Assim que descobrimos que tinha reduzido bastante em pouco tempo, já iniciamos o processo para iniciar a hemodiálise”, conta.

A “sorte” de Eduardo foi a de encontrar um doador dentro da própria família: sua irmã. Assim, não precisou passar pelo longo processo da fila de espera. Agora, ele incentiva aqueles que puderem a também se tornarem doadores: “Quem puder ajudar, que ajude. Minha irmã fez isso por mim. Ela continua com a saúde muito boa e ajudou a restabelecer a minha também”, diz.

Empecilhos legais

Rodrigo explica que é necessário um número de pelo menos três vezes mais doadores para atender a todas as pessoas que estão na lista de espera por um transplante, ainda que um único doador possa ajudar de 7 a 10 pessoas, daí a importância que as famílias se conscientizem. Rins, fígado, córneas, pâncreas, coração, pulmões e ossos são exemplos de órgãos e tecidos que podem ser doados.

A legislação, atualmente, exige que os familiares concordem com a doação dos órgãos do falecido. Assim, por exemplo, um único filho pode impedir o procedimento, mesmo que os demais aprovem e que a própria pessoa tenha manifestado desejo claro em vida de ser um doador.

“Não há um documento a ser preenchido em vida e não há mais indicação de manifestar essa vontade no documento do RG. Portanto, converse francamente com seus familiares sobre o desejo de ser ou não um doador de órgãos”, diz o especialista.

O médico ainda explica que, infelizmente, muitos órgãos de possíveis doadores são perdidos porque vence o período para se realizar o transplante é curto e perde-se  tempo entre o diagnóstico de morte encefálica e a decisão da família sobre a doação dos órgãos do ente querido.  “Além das campanhas estimulando que as pessoas sejam doadoras, precisamos melhorar esses processos”, aponta o urologista.

Desmistificando o processo

Soma-se a esses pontos os receios que os familiares têm em relação à doação de órgãos, muitas vezes alimentados por desinformação e mitos. Um dos medos mais comuns é a preocupação com a mutilação do corpo do ente querido.

“Muitas pessoas temem que a remoção dos órgãos cause danos estéticos que desrespeitem a memória do falecido. No entanto, é importante esclarecer que os procedimentos realizados durante a doação são feitos com extrema ética e profissionalismo, garantindo que o corpo seja tratado com dignidade. Os médicos que realizam transplantes seguem protocolos rigorosos para minimizar qualquer tipo de modificação que possa causar desconforto durante o velório e a despedida”, afirma.

Outro medo recorrente é a crença de que a doação de órgãos favorece apenas pessoas ricas, o que gera desconfiança em relação ao sistema de saúde. “Essa percepção pode levar os familiares a pensar que seus familiares não receberiam a mesma chance de sobrevivência se a situação fosse invertida. É crucial enfatizar que a alocação de órgãos é realizada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) com base em critérios rigorosos e objetivos, priorizando a necessidade médica e a compatibilidade, sem considerar a condição financeira do paciente”, destaca o médico.

Ele cita também que um dos principais receios é de que os médicos não farão todo o possível para salvar a vida do paciente caso saibam que ele é um potencial doador. “Essa crença é infundada, pois os profissionais de saúde estão sempre comprometidos com o bem-estar de seus pacientes. O foco na vida e no tratamento é absoluto, e a avaliação para a doação ocorre somente após a constatação da morte cerebral, respeitando rigorosos critérios éticos e médicos”, afirma.

A preocupação com a demora na liberação dos corpos após a doação de órgãos também é comum. “Muitas vezes, há a impressão de que o processo de doação pode prolongar o tempo de espera para a realização do velório e do sepultamento. No entanto, assim que a doação é confirmada e todos os procedimentos são realizados, os profissionais de saúde trabalham de maneira eficiente para garantir que o corpo seja liberado o mais rápido possível”, diz o urologista. De acordo com ele, o objetivo é respeitar o luto da família e permitir que as cerimônias de despedida ocorram sem atrasos desnecessários.

Para Rodrigo, é fundamental que os médicos ofereçam informações claras e precisas aos pacientes e suas famílias sobre o processo de doação, pois esses profissionais desempenham um papel crucial na conscientização sobre a doação de órgãos, atuando como educadores e defensores do tema. “A formação de uma relação de confiança entre médicos e pacientes é essencial. quando os médicos falam abertamente sobre a doação, eles ajudam a humanizar o processo e a tornar o tema mais acessível. A empatia e a sensibilidade no momento da abordagem são fundamentais, pois o assunto é delicado e envolve fortes emoções”, comenta.


Rodrigo Rosa de Lima

  • Médico Urologista e Residência Médica em Transplante Renal pela Universidade de Brasília (UnB);
  • Pós Graduação em Cirurgia Robótica pelo Hospital Israelita Albert Einstein – SP;
  • Professor da Cadeira de Hiperplasia Prostática da Sociedade Brasileira de Urologia – SBU;
  • Diretor-Presidente SBU Goiás – Biênio 2024-2025.

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