Estudo que conta com a participação da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) revela deficiências na detecção da doença, que deve chegar a 74 mil novos casos até o fim deste ano
Pesquisa inédita, realizada com a participação de membros da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), avalia o conhecimento de ginecologistas, obstetras e médicos de família sobre o rastreamento mamográfico no Brasil. Com base em respostas de 5.310 ginecologistas e obstetras e 2.700 médicos de família, o trabalho oferece ainda percepções acerca de condutas em casos clinicamente suspeitos de câncer de mama. De acordo com o mastologista Marcelo Antonini, membro da Comissão de Tratamento Sistêmico da SBM Regional São Paulo, o estudo é fundamental à medida que revela necessidade de educação continuada e treinamento dos médicos que estão à frente do rastreamento da doença. “Isso é essencial para diminuir os impactos sobre a mortalidade por câncer de mama no País”, afirma.
A pesquisa “Knowledge related to breast cancer screening programs by physicians in Brazil”, liderada por Marcelo Antonini, com a participação de Gabriel Duque Pannain, Gabriela Silva Solino de Souza, Odair Ferraro, Andre Mattar, Reginaldo Guedes Coelho Lopes e Juliana Monte Real, foi publicada no periódico científico Einstein, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (Hospital Israelita Albert Einstein).
O questionário da pesquisa foi enviado, via e-mail, WhatsApp e SMS a 9 mil ginecologistas e obstetras e a 5.600 médicos de família e medicina preventiva. Do total, 59% dos ginecologistas e obstetras participam da pesquisa. Entre os médicos de família são 48,2% respondentes.
O rastreamento mamográfico no Brasil, ressalta Antonini, não é organizado e, sim, oportunístico. “Depende de a paciente procurar um serviço, passar por consulta com médico geral, ginecologista ou médico de família para que a mamografia, principal exame de rastreamento, seja solicitada”, diz.
Dois protocolos regem o rastreamento mamográfico no País. “Temos o do Ministério da Saúde, que preconiza o rastreamento bianual dos 50 aos 69 anos de idade, e o protocolo da Sociedade Brasileira de Mastologia, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia Obstetrícia e do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem que recomenda exame anual para mulheres entre 40 e 75 anos”, explica.
O estudo publicado no periódico Einstein revela que aproximadamente 75% dos médicos de família se alinham à recomendação do Ministério da Saúde. Mas cerca de 25% não segue qualquer protocolo. Entre ginecologistas e obstetras, aproximadamente 33% considera o rastreamento entre 50 e 69 anos; 43% veem a necessidade do exame dos 40 aos 75 anos; 24%, no entanto, não seguem qualquer protocolo.
Para o mastologista da SBM, a pesquisa evidencia um cenário preocupante. “Equivale a dizer que um quarto dos médicos que estão na linha de frente do rastreamento do câncer de mama no País não sabe a forma correta de fazê-lo”, afirma.
Outra revelação interessante, segundo o especialista, é o fato de 39% dos ginecologistas e obstetras e 20% dos médicos de família considerarem o ultrassom de mamas como parte do rastreamento. “O ultrassom de mamas, na verdade, é um exame complementar à mamografia.”
O estudo destaca uma questão crítica em relação à formação inadequada de ginecologistas, obstetras e médicos de família e medicina preventiva no Brasil. Essa deficiência, constata a pesquisa, leva a interpretações incorretas do BI-RADS™. O sistema Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS™) é um padrão utilizado mundialmente para rastreamento e relatório de câncer de mama. A falta de adesão às diretrizes do sistema pode resultar em diagnóstico tardio ou manejo inadequado dos casos de câncer de mama. “Surpreendentemente, houve 46,3% de respostas incorretas entre ginecologistas e obstetras e 77,9% entre médicos de família, revelando alta taxa de interpretação incorreta do BI-RADS™”, alerta Antonini.
Diante de um achado clínico suspeito de câncer de mama, a pesquisa revela uma conduta não ideal dos médicos. “O correto é solicitar a biópsia e complementar com exames de imagem”, diz o mastologista. “A grande maioria acaba pedindo somente o exame de imagem ou encaminha a paciente a outro especialista. Esta conduta representa um atraso no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento.”
Abordar as lacunas de conhecimento e aprimorar as práticas no rastreamento do câncer de mama, com médicos preparados para seguir protocolos padronizados são fundamentais, na visão de Marcelo Antonini. “Essas medidas representam um aprimoramento na qualidade do atendimento oferecido às mulheres brasileiras e na detecção de uma doença que deve chegar ao fim deste ano com aproximadamente 74 mil novos casos, segundo estimativa do Inca (Instituto Nacional de Câncer)”, conclui o mastologista.