Por Odilon Guedes (*)
O governo Lula se encontra em uma posição delicada. Por um lado, aumenta a pressão para que o Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023), mecanismo de controle do endividamento que substitui o Teto de Gastos, seja cumprido. Por outro, há a pressão para que importantes segmentos que compõem as despesas públicas, como saúde, educação não sejam penalizados.
O caminho a ser seguido é de um corte de R$ 30 a R$ 50 bilhões nos gastos. No entanto, mais do que olhar para as cifras, é importante lançar mão de uma análise criteriosa para que o impacto social da redução do orçamento seja o menor possível.
Um dos caminhos que se discute é o governo avançar no combate aos supersalários no serviço público. Atualmente, alguns adicionais, conhecidos como penduricalhos, impedem que seja cumprido o teto salarial do funcionalismo. Um setor extremamente privilegiado é o Poder Judiciário. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a despesa com esse Poder em 2023 somou R$ 132,0 bilhões, a mais alta do mundo em relação ao PIB. Cada magistrado custa em média R$ 68,1 mil, R$ 24 mil a mais do que o salário de um ministro do STF.
Por sua vez, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga defende o corte de gastos na Previdência e no funcionalismo. Em relação a Previdência, a pergunta é: onde cortar? Em recente entrevista, o presidente do TCU, Bruno Dantas, afirmou que será preciso uma nova reforma da previdência, começando pelos militares.
A realidade dos dados demonstra que o déficit para a previdência de um trabalhador que não seja da área pública é de R$ 9,4 mil por ano. Por sua vez, o déficit de um militar aposentado ou pensionista é de R$ 159 mil, 17 vezes a mais que o do INSS. É importante lembrar que o militar é o único servidor público que se aposenta com salário integral, diferente dos demais trabalhadores brasileiros.
Há ainda aqueles que defendem alterar a idade mínima para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou passar a corrigir o auxílio somente pela inflação. Atualmente, o BPC é indexado ao salário-mínimo (R$ 1.412). Em relação a esse benefício é necessário lembrar que, quem têm direito a receber são famílias que possuem renda per capta de até um quarto do salário-mínimo, o correspondente a R$ 353,00 e que têm um idoso ou pessoa com doença grave ou necessidades especiais. Diante desses dados, pergunto: não seria algo extremamente grave e desumano mexer nesse benefício, enquanto juízes têm salários altíssimos e militares se aposentam com salário integral?
Dentro do pacote de medidas o governo avalia também alterar o desenho das políticas de proteção ao trabalhador: a multa de 40% do FGTS para demissões sem justa causa e o seguro-desemprego. Aqui é importante lembrar que o seguro-desemprego é uma medida de proteção ao trabalhador quando está desempregado, visando permitir que ele mantenha o sustento de sua família nesse período. E, a multa de 40%, é para evitar que as empresas demitam intempestivamente os trabalhadores sem justa causa.
Outra área que precisa ser analisada para enfrentar o déficit público é a tributária. Estudos apresentados recentemente pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) comparam a carga tributária em relação ao PIB de 30 países. Dessa relação 23 têm cargas maiores que o Brasil, dos 7 restantes, 3 têm praticamente a mesma carga que a nossa, de 32,39% do PIB. Diante desses números, é possível afirmar que há espaço para a correção e criação de tributos, desde que seja de forma progressiva e não prejudique a classe média e a população de baixa renda. A mudança deve ocorrer sobre a parcela da sociedade que têm condições de contribuir para o controle do déficit público.
Para entender melhor essa afirmação, cito dois exemplos ilustrativos. O primeiro é o Imposto Territorial Rural – ITR. Esse tributo arrecadado em todo o ano de 2022 e em todo o Brasil somou R$ 2,7 bilhões. O valor é menor do que a arrecadação da subprefeitura de Pinheiros, uma das 32 da cidade de São Paulo, que foi de R$ 2,8 bilhões no mesmo período, algo inacreditável. O aumento desse imposto, tendo como referência os EUA, elevaria sua arrecadação para cerca de R$ 60 bilhões.
Outro exemplo é a respeito da cobrança de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos, hoje inexistente no país. Se aplicarmos o percentual que ocorre para quem aplica em títulos do tesouro, haveria um aumento de arrecadação de cerca de R$ 70 bilhões.
Há formas de enfrentar os problemas do déficit público e conter o crescimento da dívida brasileira promovendo a sustentabilidade do governo. Mas as medidas precisam ser analisadas e muito bem estruturadas de forma a não prejudicar o crescimento econômico e muito menos os setores menos favorecidos da sociedade.
* Odilon Guedes – Economista, Mestre em Economia pela PUC/SP. Professor Universitário e Vice-Presidente do Conselho Regional de Economia SP. Foi Vereador e Subprefeito na cidade de São Paulo. Autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora L. Física).